"O que nos torna “capixabas”? Esta é uma pergunta que muitos nascidos no Estado do Espírito Santo fizeram e ainda se fazem. Dentre eles está a respeitada psicóloga, filósofa e poetiza Viviane Mosé.
Uma questão incomodou Viviane Mosé
quando, 26 anos atrás, começou a construir seu destino: o Espírito
Santo sempre ocupou uma posição obscura no cenário nacional e se
pergunta: o que fez nossa cultura ser marcada por este desconhecimento,
por este isolamento? Por que, apesar de estarmos próximos dos grandes
centros urbanos e industriais, numa privilegiada posição geográfica
litorânea, permanecemos por tanto tempo afastados do grande fluxo
econômico que marcou a costa sul e sudeste do Brasil?
Viviane precebe hoje que, ao contrário
do que viveu em sua juventude, o Espírito Santo começa a aparecer como
uma alternativa para o país. Nascida da lama como a flor de lótus,
nossa cultura de violência e desmandos políticos ressurge como um
exemplo de cidadania, gestão pública. Estamos mudando a direção de um
barco centenário que insistia em encalhar na lama, mas ainda é cedo.
Estamos em plena luta contra forças retrógradas e excludentes, forças
desagregadoras, destruidoras que dominaram nosso estado desde os
primeiros tempos, diz a filósofa.
Para contruir, Viviane Mosé escreveu um livro intitulado “A Resistência Tapuia na Capitania do Espírito Santo”
e optou por um mergulho histórico, tentando apreender o nascimento e os
primeiros anos de colonização do solo Espírito-santense. Um ponto
parecia se destacar: em 1710 foi proibida a construção de estradas para
o interior do Estado, com objetivo de preservar a mata atlântica, e
também proteger o ouro de Minas Gerais dos corsários e contrabandistas.
Com a medida Dom João V relegou a Capitania do Espírito Santo a um
século de esquecimento.
E estudando mais profundamente o fato,
a filósofa viu que na época dessa proibição a Capitania possuía
território praticamente desocupado, exceto em pontos isolados do
litoral. A inexistência de vilas no interior era outro fator que
justificava a não construção de estradas, pois não haveria um
dispositivo econômico que sustentasse as obras. Ao constatar isso, a
filósofa seguiu para outro caminho: tentar compreender a razão da não
ocupação do solo.
A trilha levou a escritora para uma
guerra longa e sangrenta entre colonos e indígenas. Ela estudou as
tribos indígenas do Brasil, e viu que o estabelecimento dos Tupi ao
longo da Costa Atlântica, aconteceu pouco antes da chegada dos
portugueses. Uma migração de Tupi invadiu o domínio Tapuia (no século
XVIII, tapuia significava qualquer indígena de um grupo que
não se integrava nas comunidades portuguesas, nem adotava o modo de
vida tupi-guarani. Eles não falavam a mesma língua e continuavam
avessos à civilização), expulsando-os para o interior e estabelecendo o
domínio unificado pela língua Tupi-Guarani.
A tupinização dessas tribos permitiu a
unificação do Brasil, na medida em que facilitou o acesso português. Os
que não eram Tupi, ao contrário, eram considerados Tapuias, e a
respeito deles circulavam os relatos mais assombrosos e imaginários:
seriam os Tapuias os mais ferozes, antropófagos e de organização mais
primitiva. Acontece que eram os tapuias que habitavam a maior parte do
território capixaba. Eram falantes de línguas Macro-Gê: Goitacaz,
Aimoré, Botocudo e Puri. Existiam também os Tupiniquim que eram Tupi e
que viviam em constante guerra com os Tapuias.
É somente com a vinda dos jesuítas,
trazendo o processo de catequese, que se torna possível a continuidade
do processo de colonização. Até o início do século XIX, os
colonizadores ainda lutavam para ocupar o território da Capitania,
resistindo ainda em vilas litorâneas. É somente com a chegada dos
imigrantes europeus, no final do século XIX, que nosso solo será
efetivamente ocupado.
Na contra-capa do livro de Mosé há um
trecho da obra Raízes de Brasil (1963), de Sergio Buarque de Holanda,
onde ele chega a afirmar que esse hiato tapuia no litoral
predominantemente tupi, provocou o desprezo da Coroa Portuguesa que não
tinha interesse em investir em território de língua desconhecida. O
Espírito Santo, assim como o Sul da Bahia, compunham as terras que
configuravam esse hiato.
Uma das coisas que mais impressionou a
filósofa foi a dificuldade que o domínio branco teve de se estabelecer
aqui. Somente com a chegada dos imigrantes europeus, na segunda metade
do século XIX, a população branca suplantou a indígena e a negra. A
colonização do solo Espirito-santense foi lenta e tardia. Estivemos,
desde o início, isolados do resto do país, fator que se reflete até
hoje na subjetividade capixaba.
A escritora completa:este isolamento quase nunca é discutido, analisado, e, quando é, parte de uma hipótese que nos coloca como passivos desprivilegiados pela coroa portuguesa; falo da interpretação corrente de que estivemos afastados do fluxo econômico e cultural do resto do país para servir de barreira de proteção às Minas Gerais. Mas esta proibição, de construir estradas para o interior, que de fato aconteceu, não pode, por si só, responder pelo vazio a que ficamos relegados. Quando a proibição aconteceu já estávamos isolados, despovoados, sem uma atividade econômica que justificasse a construção de uma estrada. Talvez a Capitania do Espírito Santo seja a representante da maior resistência indígena em solo brasileiro."
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