Caros militantes e simpatizantes da Reforma Psiquiátrica
A Reforma Psiquiátrica encontra-se num momento de ameaça inédita.
Há
mais de 10 anos as diretrizes de ampliação da rede comunitária de saúde
mental, criação de uma política de desinstitucionalização, de
fortalecimento da participação de movimentos e controle social, de
inclusão e de respeito aos direitos humanos vêm sendo aprofundadas e
garantidas por um governo federal. Mesmo em municípios e estados que
atuam em favor da precarização do SUS, da ambulatorização da rede de
atenção em saúde mental e da defesa de movimentos corporativistas, é
possível induzir políticas, financiar projetos convergentes com as
diretrizes deste movimento, assim como qualificar e fomentar o
surgimento de quadros. Isto é possível por tratarmos a Reforma
Psiquiátrica como uma política de Estado, não de governo e direcionamos
o financiamento nesta direção. Ainda assim, temos de estabelecer
internamente um diálogo constante para defesa desta política, mas temos
tido sucesso neste sentido. Isto ficou evidente no Plano Integrado de
Combate ao Crack, que tornou possível a expansão da rede psicossocial
(pactuamos a abertura de pelo menos 30 CAPS AD III ainda este ano) e no
financiamento de medidas estruturantes como centros de referência
regional e escolas de redutores de danos, ainda que tenha havido uma
forte pressão quanto ao componente de ampliação de leitos.
Este
processo, que permite a aproximação da política de saúde mental
convergente com a Reforma Psiquiátrica de municípios e estados não
favoráveis a ela e, ainda assim, possibilitando avanços na mudança do
modelo assistencial, está ameaçado. Porque, pela primeira, vez existe a
possibilidade de termos um governo federal declaradamente favorável ao
sucateamento da rede de atenção comunitária, às internações
involuntárias, à centralidade de hospitais psiquiátricos e comunidades
terapêuticas e à terceirização da rede atenção em saúde mental.
A
somatória de uma política nacional voltada para a Reforma Psiquiátrica
e os movimentos sociais sempre foi o eixo que possibilitou a expansão,
consolidação e aprofundamento desta política. Um dos elementos desta
articulação está ameaçado. O impacto desta mudança nas
diretrizes é de difícil dimensionamento. Convivemos há anos com a
realidade de duras negociações com municípios e estados verdadeiramente
manicomiais e que conseguimos sustentar a mudança de modelo mediante a
capacidade de indução de nossas portarias e editais, além, é claro da
participação da militância e dos movimentos sociais.
Ainda
que o cenário de uma derrota política da Reforma seja difícil de ser
dimensionada, aponto para alguns prováveis desdobramentos:
1) a
rede de CAPS deixará de ser ampliada. O cadastramento de novos serviços
será burocratizado, lentificado, Muitos gestores serão desestimulados a
aderirem a este modelo assistencial.
2) O
processo de trabalho nos CAPS será sucateado. Dificilmente haverá
financiamento de supervisão, a pressão de ambulatorização dos CAPS que
já existe naturalmente nos municípios será mais difícil de ser
enfrentada. A política das AMES tende a enfraquecer as ações no PSF, o
que por sua vez enfraquece os princípios dos NASFs, do Matriciamento e
toda a noção de rede de atenção solidária e co responsável pelas ações
de saúde mental.
3) As
ações de álcool e drogas terão outra diretriz. Seguramente será
centrada em internações, com a lógica da coação de usuários de drogas,
de moralização da política e da involuntariedade das intervenções.
Seguramente, todo o movimento de ampliação do acesso, flexibilização da
porta de entrada e democratização do cuidado conforme temos trabalhado
irá se perder. A política para álcool e outras drogas provavelmente
será a mais afetada.
4) O
processo de monitoramento, avaliação e fechamento de manicômios será
fortemente retardado e passará a um período de estagnação.
5) O financiamento da saúde mental, que vem crescendo, irá seguramente diminuir proporcionalmente.
6) As políticas estruturantes de formação de recursos humanos, supervisão e centros de referência serão sucateadas.
7) A
lógica da ambulatorização irá se expandir, assim como a medicalização
das ações de saúde mental e o fortalecimento da psiquiatria
conservadora como corporação. Haverá enfraquecimento da noção de equipe
de saúde mental como dispositivo terapêutico, equipe multidisciplinar
e, seguramente, dos projetos terapêuticos como dispositivo de
acionamento de uma rede de atenção
8) Nos
últimos anos existe uma forte pressão para financiamento de CAPS
terceirizados, geridos por OSs. Estes serão preferencialmente
cadastrados, enfraquecendo o SUS e toda a política de atenção em rede
que temos apoiado e construído.
Estas
são as primeiras conseqüências que consigo vislumbrar. Seguramente
haverá outras e desdobramentos destas. Assim, quero salientar que não
basta que militantes da reforma se tornem eleitores da Dilma, mas que
disseminem a idéia de que mais de vinte anos de luta árdua, democrática
e de toda uma sociedade que condena os manicômios está ameaçada.
Não
é mais hora de sentirmos vergonha ou de questionarmos se é lícito ou
não divulgar opiniões. Estamos num momento histórico de ameaça
política. O que está em jogo é o país que queremos construir.
Saudações a todos
Marcelo Kimati DiasCRM: 87973
Adorei seu blog!
ResponderExcluirObrigada! E volte sempre!Beijos!
ResponderExcluirZUZU