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quarta-feira, 28 de abril de 2010

Quero abrir uma ONG e agora?Por Fernanda Dearo

Nos últimos anos tenho ouvido comentários de todos os tipos, como por exemplo: “Abrir uma ONG é sinônimo de abrir um bom negócio”, “ Minha aposentadoria vai ser aquela ONG que vou abrir”, “Trabalhar para melhorar o mundo e ainda ganhar para isso, não é demais?” Só pode ser ilusão! E é! Abrir uma ONG é como abrir uma empresa, mas uma empresa que não é sua, você apenas será o gestor responsável, responsável inclusive criminalmente por sua atividade e bom uso de recursos.
Abrir uma ONG é como abrir um empreendimento como outro qualquer. Empreender significa construir algo que tenha sucesso, e que acima de tudo seja eficiente. Ser eficiente é fazer cada vez mais com menos. Para fazer mais com menos, é preciso entender MUITO do assunto. Só que as pessoas querem abrir uma ONG já estando no vermelho, e pior, sem entender nada de atendimento social, de meio ambiente ou de direitos: “Não tenho dinheiro, só boa vontade e quero abrir uma ONG”. “Quero contratar pessoas, mas não tenho como pagar, quero ajudar crianças, mas não tenho recursos.” É possível? Sim, é possível. Desde que se faça um belo planejamento estratégico do que se pretende, com uma boa pesquisa de mercado que comprove a necessidade de se abrir uma ONG, e que a causa escolhida para ser defendida, trabalhada, seja no mínimo bastante conhecida pelos diretores estatutários e claro, que para fazer tudo isso que é lindo e maravilhoso, que alguém capte os RECURSOS. Para que sejam bons os resultados de captação de recursos desse alguém, é preciso que sua dedicação seja integral, ou seja, precisa receber por isso.
Antes de abrir uma ONG, pergunte-se:
- Tenho tempo para me dedicar a ela?
- Qual o propósito de abrir essa ONG?
- Existem outras ONGs abertas e em atividade que atuam na área que pretendo atuar? Para que inventar a roda?
- A diretoria estatutária é composta por pessoas compromissadas, no mínimo interessadas pelo assunto que a ONG irá defender?
- Entendemos de projetos? Sabemos como elaborar um projeto?
- Como pretendemos manter os trabalhos da ONG? De onde virão os recursos? Sim, porque só para abrir com ajuda profissional de um bom advogado e um especialista em Terceiro Setor são necessários uns 2,5 mil reais, sem contar a mensalidade da contabilidade que é no mínimo um salário mínimo mensal, ou seja, a ONG já começa com custo fixo.
- Que tipo de parcerias podemos desenvolver para otimizar custos, como por exemplo ter uma sede num endereço comercial emprestado, doado, em comodato?
- Sabemos o que significa um edital, um programa social, indicadores de resultado, impacto social, metodologia e pesquisa?
- Sabemos na teoria e prática, o papel, a função e as tarefas de um presidente, um vice-presidente, um secretário executivo, um tesoureiro, um conselho fiscal?
- Sabemos o que significa “políticas públicas”?
- Temos condições e tempo para freqüentar conselhos municipais, estaduais, federais relativos ao assunto que queremos trabalhar através da ONG?


- Quais serão nossas linhas de ação?
- Conhecemos o problema a ser enfrentado?
- Como nossa ONG se colocará frente ao governo local?
Acontece que as pessoas acreditam que abrir uma ONG será a grande realização de suas vidas, pois o desafio de fazer acontecer e dar certo em nome de uma causa é realmente grande. A intenção é nobre e louvável, mas querer abrir um empreendimento sem entender do assunto ao invés de gerar uma solução para a sociedade pode gerar mais problemas.
No Brasil temos cerca de 400 mil ONGs. MUITAS, muitas mesmo, precisando de ajuda, de recursos, de profissionalização. Algumas literalmente falidas, passando o chapéu a todo custo, confessando sua má habilidade em administrar um empreendimento e certamente colocando em risco pessoas, comunidades, causas.
O dinheiro e os recursos necessários para abrir uma ONG não são seu objetivo principal, mas no mundo em que vivemos, sem dinheiro não há dignidade. Como oferecer o melhor para as crianças da comunidade sem dinheiro? A responsabilidade social de uma ONG deve ser medida também pela sua capacidade de alocar recursos e se manter dignamente, porque só podemos oferecer aquilo que temos. Só podemos ensinar o que aprendemos. Só podemos cuidar estando bem.
Talvez seja mais prático e eficaz procurar uma ONG que já esteja aberta e contribuir com ela.

É importante entender que quem trabalha na diretoria estatutária de uma ONG, “está ONG”, ou seja, a ONG é pública, não é sua, não é minha, não é do governo, é de todos. O que significa que qualquer cidadão pode exigir sua prestação de contas, pode visitá-la, pode acompanhar seus trabalhos e assistir suas assembléias.
Ultimamente o que mais me chama a atenção são as “INGs” – Indivíduos Não Governamentais. Em nome de uma causa, acoplam no estatuto o pai, a mãe, o vizinho, a tia e o papagaio, porque só ele quer salvar o mundo e precisa de nomes para compor o estatuto. Numa comparação grosseira é como abrir uma empresa privada e ter como sócios todos esses que só passam para assinar documentos enquanto você trabalha duro. O nome já diz: Organização Não-Governamental. Organização é feita de pessoas ORGANIZADAS, em prol de um mesmo objetivo, nesse caso, público.
Uma ONG deve nascer antes de tudo de uma necessidade comprovada, essa necessidade deve ser social, cultural, ambiental, ou seja, deve estar ligada diretamente ao bem de todos, e não ao seu bem, ao seu sonho, à sua vontade de fazer isso ou aquilo. Sua existência precisa ser justificada de forma madura, concreta, profissional, com dados estatísticos e verídicos. Pode até ser que o seu sonho seja bom para todos, basta comprovar.
E como comprovar a necessidade de cuidar da mata atlântica, desenvolver projetos de saúde, defender direitos, desenvolver projetos de pesquisa, desenvolver programas para crianças e adolescentes, oferecer cursos de capacitação numa mesma ONG? Pois é, é o que tenho lido em muitos estatutos. Uma ONG nascendo para fazer tudo, ou melhor, para captar dinheiro em nome de tudo, sim porque o único objetivo geral nesse caso é ir onde o dinheiro está, pois o estatuto prevê tudo. O que menos precisamos é de espertalhões em busca da taxa de administração de 10% em serviços terceirizados pelo governo. E o que mais precisamos é de um governo mais inteligente, mais competente a ponto de saber analisar seus parceiros, seus projetos e programas, e exigir da sociedade civil ONGs mais profissionais, menos capitalistas, mais sociais. Precisamos também de uma sociedade mais atenta, mais exigente, que solicite prestação de contas para aqueles 10 reais que você doou por telefone. E precisamos também de muita educação e estudo para querer dar à comunidade aquilo que ela realmente precisa.
Em hipótese alguma estou aqui desvalorizando histórias incríveis de pessoas que na raça e na coragem, sem saber que era impossível, foram lá e fizeram. Pelo contrário, a intenção desse artigo é sugerir um começo mais profissional. Um meio menos sofrido para os que venceram a duras penas e um final mais feliz para todos.



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