No início dos anos 1980, eu dirigia o Manicômio Judiciário do Estado, um hospital ligado à Secretaria de Justiça destinado a diagnosticar e tratar pessoas que cometiam crimes. Nessa época, a questão que norteava a política de atenção a drogadependentes era separar os traficantes dos usuários, pois ambos os grupos eram trancafiados em presídios comuns, já que não se enquadravam na categoria de doentes mentais.
Rapidamente instalam-se precários e apressados serviços, a maioria ligados à farsa, nutridos pelo dinheiro das famílias. Concorrem com as legítimas e esforçadas tentativas, algumas ligadas à academia. São traficantes de dependentes. Um colega me contou que diabetes só pode ser suficientemente controlada se o paciente for tratado "na barriga da mãe". Isso é, quando todos podem entreolhar-se, expor ideias, proteger-se e alertar para a obesidade.
Diria o mesmo na questão das drogas. Depois que uma pessoa torna-se dependente de álcool, maconha, crack, cocaína e até cigarro de nicotina, entre outros, a família dispõe-se a reunir-se. E diante desta emergência, procuram os consultórios, clínicas ou ONGs, mas aí pode-se fazer muito pouco. O mesmo acontece nas instituições encarregadas de repressão, as polícias, ou no amparo.
Aliás, por que não se proíbe, por exemplo, o cigarro de nicotina, tão nocivo mental e fisicamente quanto as drogas ilícitas? Incluiria aí alguns medicamentos psicoativos largamente prescritos, inclusive por profissionais sem a necessária formação em psiquiatria. Falando em droga, não se deve esquecer que até o ex-presidente Fernando Henrique arrancou de seu cérebro a ideia da descriminalização das drogas, atacando com isso o lucro.
Mas o âmago da questão continua: o uso suicida dessas substâncias é, sim, consequência de um sistema complexo, e o simples enjaulamento em clínicas ou a ingênua e promocional terapêutica com mais drogas são medidas no mínimo ingênuas. A dependência é uma consequência, e não causa.
Paulo Bonates é médico psiquiatra
Amei o texto, principalmente quando faz referência ao cigarro, pois é uma droga lícita que dá lucro à vista de todos, mas que mata devagarinho. Quem convive com fumante conhece bem a situação e sabe que é um vício terrível como qualquer outro. Não é fácil abandonar. As propagandas contra estão aí, mas a venda corre livremente.
ResponderExcluirParabéns.